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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A MOTIVAÇÃO PROFÉTICA

Figura tão antiga quanto as religiões, o profeta teve status máximo na religião judaica. Durante séculos eles foram vistos, ouvidos, criticados e (per)seguidos. Há indícios e referências bíblicas para a existência de “escola de profetas”. Ao que tudo indica, a organizada por Samuel, (I Sm 10.5; 19.20) é a primeira. Elias e Eliseu foram responsáveis pela escola dos profetas, que funcionou como resistência à apostasia imperante no reino do norte (II Rs 2.3; 4.38; 6.1). Havia destas escolas em Ramá, Gibeá (I Sm. 19.20; 10.5,10) Gilgal, Betel e Jericó (II Rs. 4.38; 2.3,5,7,15; 4.1; 9.1). Uns cem estudantes faziam parte da escola dos profetas de Eliseu. Quando Elias e Eliseu foram ao Jordão, cinquenta da escola dos profetas estavam com eles (II Rs. 2.7,16,17).

Ser profeta não é uma questão de escolha pessoal, ainda que muitos assim decidam, indevidamente, devo dizer. Se olharmos para as histórias bíblicas dos profetas, constataremos que todos eles receberam um chamado e que foram relutantes em aceitar o mandato e a missão. Haja visto o exemplo de Jeremias que se sentiu chamada quando ainda era um “nah’ar” (imberbe, adolescente).

Percebe-se também que o profeta era alguém que tinha uma mensagem dura, denunciando os pecados do povo e especialmente dos governantes. Como disse Max Weber, em Israel havia uma classe social formada pelos reis e sacerdotes que explorava a segunda classe que era o povo. A terceira era a dos profetas que denunciava a exploração, se colocava ao lado do pobre, explorado, estrangeiro, órfão, e os defendia da tirania. Eles eram a oposição ao governo corrupto dos reis e sacerdotes!

Não é de estranhar que foram execrados. No dizer do escritor aos Hebreus, os profetas praticaram a justiça, da fraqueza tiraram forças, foram torturados, experimentaram escárnios, açoites, cadeias, prisões, foram apedrejados, serrados ao meio, morreram ao fio da espada, necessitados, aflitos e maltratados. Eram homens que o mundo não era digno!

Eles não alcançaram a promessa que anunciavam, mas nem por isto esmoreceram. Havia neles a consciência da vocação. Jeremias quis desistir e veja no que deu: “Seduziste-me, ó Senhor, e deixei-me seduzir; mais forte foste do que eu, e prevaleceste; sirvo de escárnio o dia todo; cada um deles zomba de mim. Pois sempre que falo, grito, clamo: Violência e destruição; porque se tornou a palavra do Senhor um opróbrio para mim, e um ludíbrio o dia todo. Se eu disser: Não farei menção dele, e não falarei mais no seu nome, então há no meu coração um como fogo ardente, encerrado nos meus ossos, e estou fatigado de contê-lo, e não posso mais. ... Mas o Senhor está comigo, tropeçarão os meus perseguidores, e não prevalecerão; ficarão muito confundidos, porque não alcançarão êxito, sim, terão uma confusão perpétua que nunca será esquecida. (Jr 20:7 ss).

Ser profeta é questão de vocação e não de opção. Ser profeta é ser chamado para ser questionado, odiado e viver em solidão porque os “amigos” fugirão na hora agá. Ser profeta é não ser o que gostaria de ser, mas é ser o que sente que deve fazer e o faz com um sentido de missão e obediência ao chamado. Ser profeta é ter experimentado o que Agostinho definiu como o chamado da “graça irresistível” e Calvino disse que “é “vocação eficaz, tão eficaz que não aceita o não!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

FALSOS PROFETAS


É fácil encontrar citações bíblicas alertando para os falsos profetas, pois eles são praga eterna e comum. Se o sábio falso é raridade, o profeta falso é achado em quantidade. Para reconhecê-los talvez o melhor caminho é olhar para as características do verdadeiro e perceber os que dele se desviam.
O verdadeiro profeta é apartidário. Ele não apoia este ou aquele candidato ou partido. Ele deve ser independente para poder dizer o que pensa deste ou daquele, mesmo os mais poderosos. Ele, no entanto, não é imparcial, visto que tem um compromisso radical com os pobres, as viúvas, explorados, estrangeiros e órfãos. Sempre está do lado deles. Como disse Max Weber, no antigo Israel havia a realeza mancomunada com os sacerdotes, o povo explorado por eles e o profeta que denunciava as injustiças da realeza/sacerdócio na exploração do povo.
O profeta, na pura acepção da palavra é “o mensageiro da parte de ... ”. Ele traz a mensagem da parte de Deus, palavra de denúncia e esperança. Não é o vidente que prevê o futuro, ainda que diga o que acontecerá caso insistam nas práticas iníquas. Seu exercício de futurologia é o da lógica que levas às últimas consequências os atos desastrosos praticados. Não é para menos que muitos o veja como vidente, como anunciador do futuro em termos visionários. Para tanto o Deuteronômio orienta: “Como saberemos se uma mensagem não vem do Senhor? Se o que o profeta proclamar em nome do Senhor não acontecer nem se cumprir, essa mensagem não vem do Senhor. Aquele profeta falou com presunção. Não tenham medo dele” (Dt 18:20-22)“. Outro alerta vem de um profeta: “Assim diz o Senhor Deus: Ai dos profetas loucos, que seguem o seu próprio espírito sem nada ter visto! ... Tiveram visões falsas e adivinhação mentirosa os que dizem: O Senhor disse; quando o Senhor os não enviou; e esperam o cumprimento da palavra. (Ez 13:3-7). Jesus também alertou: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis” ( Mt 7:15).
Pastores, bispos, apóstolos ou missionários que se apresentam como abençoadores de governo e deles necessitam para manter suas estruturas midiáticas ou religiosas, reproduzem o que havia no antigo Israel: a realeza casada como o sacerdócio para explorar o povo. É verdade que devemos orar pelos governantes, mas a mesma Bíblia estabelece que eles foram instituídos para punir os ímpios e zelar pelos pobres, estabelecendo a justiça e a paz.
A religião extorque com os impostos religiosos (dízimos e ofertas), assim como a realeza se mantém pelo extorquir via pesados impostos. A injustiça se dá no campo religioso e no governamental: se, quanto mais eu oferto na igreja, mais sou abençoado, o pobre está lascado. Se quanto mais rico eu for, menos imposto eu pago (jatinhos e iates não pagam imposto!), o fato de ser rico me dá um plus para ser ainda mais rico. O pobre paga mais e, por isto, está mais propenso a continuar na miséria. Isto gera a concentração de renda via lógica draconiana, perversa, iníqua e pecaminosa.
Na análise/diagnóstico para se conhecer os falsos ou verdadeiros profetas não se pode usar a lógica maniqueísta: se denuncio o governo A não significa, necessariamente, que sou a favor do governo B. O profeta denuncia erros e injustiças, mas isto não o compromete como apoiador da oposição. Sua posição sempre é de luta a favor dos pobres e explorados.
Como disse o sábio: “Não havendo profecia, o povo se corrompe” (Pr 29:18). Tomo a liberdade de modificar ligeiramente: “Não havendo profecia o governo se corrompe”.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

SOU O BEM SUPREMO

Wolfhart Pannenberg, teólogo alemão, afirmou certa feita algo que outros já haviam dito com outras palavras “todos os movimentos revolucionários se tornam, de repente, conservadores, assim que fazem a revolução. Então, a estrutura estabelecida de poder se identifica muito facilmente com o bem supremo”. Traduzindo: quando os revolucionários chegam ao poder, a aura de messianismo e superioridade sobe à cabeça.
Lembrei disto nestes dias em que o Maduro (que maduro só é no nome), andou fazendo mais algumas trapalhadas, seguindo as pegadas do mestre Chávez. Mas neste saco também se pode enfiar a Cristina Kirchner e o Evo Morales.
Mas, a bem da verdade, o que me chamou mesmo a atenção foi o discurso atravessado da represidente, dizendo que a culpa da corrupção na Petrobrás é do FHC, porque, se tivessem investigado a coisa no início, a santidade dos nomeados do PT na PTrobrás não teria acontecido.
É melhor ouvir isto que ser surdo. Assim como prefiro ouvir o Maduro acusando os EUA do desabastecimento na Venezuela e de financiar a oposição que pede comida, e a Cristina suicidando o promotor antes de qualquer laudo pericial.
Na visão dos petralhas, eles são santos e o que fazem o fazem para o bem do povo, ainda que o povo não tenha visto centavos da dinheirama locupletada na estatal e em outras maracutaias. O projeto de governo do PT é o bem maior, um dogma político inquestionável e quem ousa falar contra é ameaçado com o “controle social da mídia”.
Neste contexto de “revolucionários” que se tornaram o bem supremo, a função profética da denúncia nunca é bem vista. Os ex-revolucionários agora conservadores têm a tendência em achar que nada deve ser mudado porque o que fizeram e fazem é o bem supremo. Exemplo disto é a dificuldade da represidente em destituir o Mantega e a Graça Foster, em negociar com o Eduardo Cunha e em flexibilizar o valor do reajuste do Imposto de Renda. Ela sabe o que é certo e bom para o governo e para o povo.
Os revolucionários autênticos têm a tendência em ser excelentes em diagnósticos e fracos em propostas. Parecem máquina de RX. Só dizem onde está o problema, mas as soluções são anêmicas. Estes também não gostam da função profética por explicitar a carência que têm em propor soluções.
A função profética trabalha na dialética da crítica e da ação, com o objetivo de ser fiel ao Reino de Deus. Se o profeta tende à crítica ou à ação, ele peca por ser conservador (ação engessada) ou de progressismo (crítica exagerada). No entanto, tanto um como outro se atordoam quando a voz profética diz que o “rei está nu”, que isto não é o que estão dizendo que é, que os revolucionários se transformaram em deuses promotores do bem supremo, que as propostas do progressismo são inviáveis. Não é para menos que os profetas devem ser mortos. Eles perturbam a direita e a esquerda.
Os pregadores de certezas detestam os profetas, porque lançam perguntas e questionam a segurança medíocre que passam à plateia. Os sacerdotes institucionais se arrepiam diante do profeta porque os desmascara como usurpadores do povo, movidos pela ganância e pelo engodo de que podem abençoar porque são mediadores entre Deus e os homens, tendo assim um status superior.
Fecho esta reflexão com uma citação do Alvin Gouldner: “a velha sociedade se mantém através de teorias e ideologias que estabelecem sua hegemonia sobre as mentes humanas, as quais, por isto mesmo, se submetem a ela voluntariamente, sem cruzar os dedos”.

Talvez seja aqui que se entende o comportamento passivo da sociedade brasileira.
Marcos Inhauser

terça-feira, 14 de julho de 2009

CADÊ OS PROFETAS?

Não é de hoje que me preocupo com a dimensão profética da igreja. Não me refiro às profetadas, tão comum em centros que mais se parecem a adivinhações e chutes prognósticos, nem aos que se sentem porta-vozes de Deus para manipular a vida de incautos, mas à dimensão vetero-testamentária, de pessoas vocacionadas por Deus para diagnosticar o presente, para denunciar os pecados individuais, fossem eles cometidos por pessoas simples como pelos reis, e o pecado nacional (tão esquecido pelos púlpitos e animadores de auditório religioso). Falo do pro+phemi, do pro+phetai, dos Isaías, Jeremias, Amós, Habacuques modernos.
Lembro-me de um renomado pastor guatemalteco, diretor de seminário e aclamado como teólogo, em uma reunião de seminários dizia ser a Guatemala o país latino americano mais evangélico e evangelizado em todo o continente. Na hora das perguntas, lhe perguntei como explicava o fato de ser (era isto 1990) o país mais violento politicamente da América. Ele me disse que não estava ali para falar de política. Mas este homem, quando pastor de uma igreja que fica atrás do Palácio Nacional, permitiu que tropas do Exército se colocassem na torre da Igreja para vigiar e atirar nos manifestantes. E ele sabia que eu sabia disto, porque estive na sua igreja e constatei isto.
Mais recentemente fui visitar minha filha na China e fomos três vezes à Igreja que é permitido aos estrangeiros freqüentar. Ela me explicava que há relativa liberdade, que podem cantar, orar, convidar outros estrangeiros, podem pregar aos nacionais em suas casas e aos empregados, mas que não podem falar de política, nem falar “mal do governo”. A função profética está castrada.
Olho para a igreja brasileira e fico a procurar profetas no sentido bíblico e não os encontro. Conheci o Federico Pagura, argentino, metodista, mistura de profeta e poeta. Conheci Dom Pedro Casaldáliga. Li sobre o Helder Câmara e o respeitei e o respeito. E entre os evangélicos? Quem foi ou é profeta denunciando escândalos, os desmandos, a locupletação da coisa pública, as hienas do erário?
Que igreja é esta, a brasileira, muito mais conhecida pelos “louvores”, solicitação à exaustão de ofertas e dízimos, pelos escândalos de seus “pastores”, pela falta de ética generalizada em seus vereadores, deputados e senadores? Que igreja é esta que seus líderes mais gostam de holofotes, de palcos, multidões, loas, carrões, televisão, rádio que ter cara e coragem para denunciar os pecados nacionais? Onde estão os Jeremias, Amós, Habacuques, Isaías, Miquéias?
Esta é uma igreja manca, enferma. Falta-lhe coragem para o ministério que não dá holofotes, que mais leva às cavernas que aos palcos. Uma igreja que tem mais cantores e milagreiros que pastores e profetas. Uma igreja que tem mais animadores de auditório que doutrinadores, que tem mais excitação que adoração, mais embusteiros que mensageiros.