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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

PAPÁ, PAPÁ!

Depois de 22 anos regressei a San Salvador, América Central, onde tinha vivido por um ano na minha adolescência. As lembranças daqueles tempos pululavam na minha mente e estava ansioso por rever certas coisas.
Uma pessoa me pegou no aeroporto e me levou à cidade, me deixou no hotel com a recomendação expressa de que não saísse do hotel sob nenhum pretexto, que fizesse minhas refeições no próprio hotel e que no outro dia cedo passariam para me pegar para algumas entrevistas e reuniões.
Perguntei à recepcionista se ela sabia onde ficava o Ginásio Nacional e do Parque Cuzcatlán (tinha morado em uma rua perto) ao que me informou que ficava a três quadras. Fiquei empolgado com a possibilidade de rever áreas que tantas recordações me traziam. Mal dormi. Bem cedo desci ao refeitório, tomei meu café e sai para rever coisas, no que pese a orientação expressa que me havia sido dada. Primeiro fui rever a casa. Desci até o Parque e fui surpreendido por mais de uma centena de soldados sentados na mureta que separava o Parque da avenida. Todos eles tinham uma de suas pernas amputadas, vítimas das minas quita-pié (arranca-pé). Era desfile de muletas, pernas com curativos, jovens com suas vidas limitadas por uma guerra estúpida. Estavam ali para curativos no Hospital Militar. Aquilo me embrulhou o estômago!. Voltei ao hotel sem rever o Parque e a ele não mais voltei.
À tarde tive uma reunião com um grupo de pessoas que trabalhavam com Direitos Humanos, entre elas uma senhora que me contou que havia conhecido uma família brasileira que vivera ali e que tinha o mesmo sobrenome e me perguntava se eu os conhecia. Disse eu era daquela família, o filho mais velho. Lágrimas rolaram pela sua face. Ela me contou quem era e dela recordei por ser a mãe de uma paquera que tivera e que ambas, mãe e filha vieram à nossa casa muitas vezes.
Ela era a Diretora de um Orfanato que recebia órfãos da guerra. Ela insistiu para que eu fosse conhecer o trabalho. Marcamos um dia de manhã. Para lá fui. Era uma pequena chácara fora da cidade. Mal o jipe parou, um bando de crianças veio correndo e gritando e tive que dar a mão e cumprimentar a todas elas. Uma delas, de uns três anos de idade, estava meio longe, meio desligada e não tinha vindo como as demais.
Em um certo momento ela olhou para mim, veio correndo, abraçou minha perna e começou a dizer: “papá, papá, papá”. A Diretora me explicou que ela era a mais recente, que seus pais haviam sido executados. Eu lhe perguntei por que a criança me chamava de papá e ela me disse: você tem uma aparência muito parecida ao pai dela e ela está achando que é o pai que voltou. Carreguei-a no colo por mais de uma hora. A cada pouco ela me acariciava o rosto e me puxava a face para olhar para ela. Voltei ao pátio, brinquei com ela. Não sabia como ir embora.
A despedida foi terrível. Sai dali em lágrimas. Pela segunda vez aquele criança perdia o seu “papá”. Naquele dia decidi que, com todas as minhas forças e inteligência iria combater a violência e a guerra. Por isto, entre outros motivos, estou em uma igreja pacifista!
Marcos Inhauser