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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

SOLIDÃO NA MULTIDÃO

Talvez você viva isto ou conhece alguém que o experimente: morar em um condomínio e não conhecer o vizinho. No máximo há um cumprimento formal de “bom dia” ou “boa noite”.
Aristóteles, em sua obra Política fez a declaração que se tornou célebre e paradigmática: somo seres políticos. Ele fez tal afirmação a partir da constatação de que a cidade é uma comunidade, formada com vistas ao bem-comum, onde as ações dos habitantes visam um bem. Portanto, todos participam da vida da polis (cidade) e a atuação deles na comunidade é política. Logo, esta atuação se dá no contexto social e comunitário, nunca na atuação isolada e solitária. Viver em sociedade exige interação e integração com os demais.
Isto era verdade nas sociedades rurais, onde o sistema cooperativo era fundamental para que se alcançassem os objetivos do grupo: boas colheitas ou cuidado excelente do rebanho. Adicione-se a isto a diminuta rede de contatos que a vida rural permitia. Os encontros nas festas ou aos domingos nos eventos religiosos eram a única forma de expandir os contatos, o que era valorizado.
Com a gradativa transferência para o ambiente urbano, os contatos extrafamiliares foram se intensificando e, inversamente, a qualidade deles foi sendo comprometida. Cada vez se conhece mais gente com as quais se têm um relacionamento formal. Trabalha-se em empresas e corporações, em um ambiente competitivo, onde cada qual precisa mostrar suas habilidades e talentos e onde o colega pode ser uma ameaça ao desenvolvimento ou crescimento profissionais. São as “amizades profissionais”. Evidência disto é o surgimento dos networks, redes de relacionamentos profissionais onde, na medida do possível e conveniência, há algum tipo de ajuda comunitária.
Os meios de comunicação tiveram sua contribuição. A mesma notícia é vista por milhões, a mesma piada ouvida por toda a rede de relacionamentos, os mesmos programas são assistidos por expressiva maioria dos conhecidos. Esta massificação torna as conversas problemáticas porque é difícil trazer algo novo ou diferente. No mais das vezes, as conversas acrescentam algo para alguém que não teve a oportunidade de ver o que as mídias trouxeram. Com a recente customização da programação, onde cada qual pode ver o que lhe interessa na hora em que está disponível, sem a necessidade de estar à frente do televisor no horário predeterminado pela emissora, se produz a massificação pela audiência do que interessa.
Este processo de tornar-se um entre milhões gerou, no meu entender, alguns comportamentos típicos da geração solidão. O primeiro deles é a necessidade de postar selfies todos os dias, forma um tanto patológica de pedir que as pessoas olhem para a pessoa. Isto me faz lembrar da Elaine, quando criança, que pedia: “tio, olha prá mim!” A cada post uma ansiedade para saber quantos likes teve.
Outro comportamento é a onda das tatuagens. Acho que isto é uma forma de busca de identidade pelo diferencial que os desenhos ou símbolos afixados ao corpo pode dar. É uma forma de dizer: olha como sou diferente! Quanto mais tatuagem, mais garantia de chamar a atenção e ser notado.
As competências da vida em sociedade, do relacionamento, do olhar no olho, das leituras facial e corporal estão caindo em desuso. O que vale são os ícones, carinhas das mais variadas formas que até dicionário já exigem para saber o que querem dizer. Não mais se precisa ter palavras: basta uma coleção de carinhas (emojis)!
Salvo engano de alguém que se coloca pessimista, estamos regredindo para os tempos da caverna quando, por falta de vocabulário, se sentavam à volta da fogueira para contemplar as labaredas.
Marcos Inhauser

terça-feira, 5 de julho de 2011

INDIVIDUALISMO

Há vários anos li um livro, que se não me galha a memória, se chamava “O que pensam os Batistas” de um de tal de Crabtree. A tese dele era que o individualismo é o alicerce para toda a formulação teológica dos batistas. Tenho identificado algumas mudanças culturais que afetam a forma como nos relacionamos, mudanças estas que não vem do nada. Elas se relacionam com os avanços da tecnologia, a evolução demográfica e as necessidades dentro da economia, e também com filosofias. E neste conjunto há uma mudança importante: o individualismo que foi parte das culturas britânica e americana, onde, ao final da grande guerra houve uma preocupação com o bem estar social, mas que acabou sucumbindo ao individualismo. O individualismo tem como tese sagrada a supremacia do indivíduo. Fala de escolha individual, direitos individuais, liberdade, propriedade privada, os quais, juntamente a outros conceitos, se tornaram regra na sociedade individualista onde o sucesso individual, a riqueza individual e lucro individual são valores deontológicos. Ofereceu o convite público para que milhões de pessoas se amassem mais do que a seus próximos. Aqui se encontra um dilema fundamental: torna-se cada vez mais evidente que uma perspectiva individualista é centrada em indivíduos fortes, pois são os que dispõem dos recursos e da unidade para buscar os objetivos da sociedade individualista. Indivíduos fracos são penalizados. Eles são passíveis de ser roubados do seu estado de "indivíduo" e agrupados em blocos sem identidade subjetiva. É uma queixa comum dos desempregados, pobres e desfavorecidos que eles são vistos simplesmente como “números”, “portadores de cartões que devem se ajustar ao sistema”, “pesos para o sistema”, sendo ônus para o Estado (vide INSS). É muito pesado produzir para eles. Esta condição parece estar presente mesmo naqueles que operam os serviços. O contato diário com as "falhas" de uma sociedade orientada para o sucesso pode endurecer as pessoas que trabalham com eles, por exemplo, na administração dos benefícios sociais. Suspeita-se que são ladrões em potencial ou parasitas. É fácil tornar-se insensível e indiferente às necessidades das pessoas quando elas podem ser agrupadas em uma classificação impessoal. Isto, inevitavelmente, tem afetado as relações pessoais. Ética sexual, vida familiar e lazer estão sob a influência do individualismo. Passou a ser a maior barreira à intimidade: pessoas que decidem que “primeiro eu, depois eu e se der..... algo para os outros”, podem acabar sós se perguntando porque são solitárias. A ironia do individualismo é que ele começa com uma preocupação declarada para a realização do indivíduo (através da escolha individual, direitos individuais, a soberania individual), e o resultado é quase sempre que o indivíduo é desvalorizado e isolado. Buscamos nossa privacidade e liberdade com paixão, não querendo qualquer dependência forçada sobre nós. Queremos ser livres para escolher as pessoas com quem nos relacionamos. Partimos da nossa própria família para criar a nossa própria vida privada, familiar nuclear, com uma casa particular, um carro particular, um escritório particular, e não contente com isso, nós queremos dentro de nossa casa um banheiro privado, telefone privado, televisão privada e assim por diante. E quando atingimos isso nos perguntamos “por que estamos sós” E aí vem a teologia individualista botar mais fogo nesta lareira, promovendo competições espirituais e minando comunhões, botando os nossos no céu e os outros no inferno. Marcos Inhauser