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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A PAZ E AS DIFERENÇAS

O profeta Zacarias disse certa feita que “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Destruirei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às extremidades da terra.” (9:9,10)
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, montado em um jumento, deve ser vista como a diferença de sua visão. Ele não veio montado em cavalo, animal usado pelos soldados guerreiros. Veio no jumento, porque sua mensagem não era a do arco e espada, mas a da paz, da verdade e do amor. Veio não da forma esperada, mas quebrando paradigmas.
Para se entender o conceito cristão de paz é preciso quebrar os paradigmas que nos levam a pensar que a paz reina quando não há guerra, não há conflito. No entanto, esta é uma visão reducionista da paz cristã. Tomando por base a concepção antiga do shalom, a paz cristã tem a ver com saúde, harmonia, ausência de violência em todos os seus níveis (físico, emocional e psicológico), com moradia segura, alimentação necessária, com descanso regular, com reconciliação e outras coisas mais.
Sem a reconciliação não há paz. Sem o perdão não há paz. Sem a tolerância não há paz. Em uma sociedade onde reina a intolerância, onde torcedores de uma equipe agridem a matam os de outra equipe, onde o diferente é pisoteado, o homossexual é execrado pública e privativamente, onde o negro é desprezado por ter uma cor diferente, onde o gordo é visto como glutão ou sem autocontrole, a paz é um imperativo iniludível e uma prática impostergável.
Mas o evangelho da paz não é o anúncio de uma vida fácil e cômoda. A fidelidade a Deus e a Seu Filho, que implicam em práticas de paz, implicam em perseverança. As dificuldades não nos devem assombrar, antes fortalecer, uma vez que fomos alertados: “neste mundo tereis aflição, tende bom ânimo, eu venci o mundo”. Não devemos esperar melhores tempos que os profetas e Jesus tiveram. Todos eles, na sua proclamação e prática da paz, padeceram e não poucos morreram por ela.
Isto é paradoxal. Ao proclamarmos e praticarmos a paz seremos alvos da violência dos que ganham com a exploração do próximo, dos que são corruptos, ladrões. Evitar a perseguição por meios desonestos é desonestidade igual à praticada por quem persegue. Há um preço a se pagar pela paz.
Saliente-se que Jesus iniciou seu ministério pregando o arrependimento e a chegada do Reino de Deus, um reino de paz. Isto se daria não pela reforma das instituições políticas e econômicas existentes, mas pela vivência de uma nova comunidade, alicerçada em um novo paradigma: amor ao próximo como a si mesmo. Se se ama o outro na mesma intensidade com que se amo a si mesmo, não há lugar para depreciar, mesmo que seja ou pense diferente. A diferença não será motivo para separação e exclusão, mas para conhecimento, enriquecimento com o conhecimento e vivência da diferença: isto é paz.
Aceitar o outro na sua condição, com suas ideias e comportamento é amor. Discriminar, acusar, vilipendiar porque é diferente é ser prepotente, arrogante e assassino do outro. Nesta atitude não se promove a paz.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO DA TEOLOGIA DA PAZ

Em minha última coluna, na qual questionava a extensão e protagonismo da Reforma Protestante de dos Reformadores Lutero e Calvino, colocava a participação essencial da Reforma Radical, que produziu o movimento Anabatista. Salientava as inúmeras contribuições que a teologia anabatista fez para a igreja ao redor do mundo, algumas delas que são hoje verdades inquestionáveis (separação da Igreja e do Estado, a Igreja como associação espontânea e não por decisão autoritária, entre outras).
Adiciono outra contribuição anabatista, para mim, da mais alta importância: a teologia da paz. Há que se recordar que Lutero, ao ser excomungado e perseguido, refugiou-se e foi sustentado pelo rei Federico o Sábio, quem o levou para o Castelo de Warburg e ali o refugiou. Calvino escreveu suas Institutas de Religião Cristã e as dedicou ao rei Francisco I. Tanto um como o outro nunca se posicionaram contra a “guerra justa”, como se alguma o fosse justa.
Os anabatistas foram, como não poderiam deixar de ser dada sua radicalidade, veementes na condenação da guerra, não aceitando que nenhuma delas fosse justa, por mais razões que se apresentem. Dois motivos podem ser apontados para este posicionamento radical: a compreensão literal dos ensinamentos de Jesus com a obediência radical dos seus discípulos e a situação política vivida por eles. Deve-se recordar que, minoritários em um contexto amplamente contrário às suas teses, perseguidos e empobrecidos pelas constantes mudanças, fugas e expropriações, não poderiam, sob pena de suicídio coletivo, pregar o uso da violência como forma de se resolver conflitos.
É verdade que houve a Guerra dos Camponeses, liderada por Thomas Muntzer, que se declarava anabatista, mas que não era reconhecido como tal pelos líderes sobreviventes e hoje se tem consenso de que sua inspiração para a fomentar a guerra não eram os ideais anabatistas. Pelo contrário, muitos dos grupos perseguidos encontraram guarida em outros locai, foram amparados por reis mais condescendentes e uma razão para isto era o caráter laborioso e pacífico dos anabatistas.
Como decorrência deste seu postulado pacífico e pacifista, também se dedicaram ao estudo e à prática de processos de resolução de conflitos e mediação, sendo hoje reconhecidos como grandes autoridades no assunto. Projetos de pacificação social, de reconciliação entre vítimas e ofensores, de resolução de conflitos familiares, eclesiais, laborais e de vizinhança se multiplicam por todo o mundo sob o impulso das igrejas anabatistas.
No desenvolver e amadurecer destas ideias pacíficas e pacificadoras, aos anabatistas se valeram em grande escala da interpretação literal e contextualizada do sermão das Bem-aventuranças, também conhecido como Sermão do Monte. Vários estudiosos, teólogos e leigos trouxeram significativas contribuições para os textos das Bem-aventuranças, especialmente os relacionados ao andar a segunda milha, dar a outra face, ter fome e sede de justiça no sentido de ser justo e não permitir que a injustiça seja praticada, ser misericordioso e manso, etc. A tal ponto a contribuição atravessou fronteiras que hoje, um dos maiores expoentes da não violência e da aplicação radical das Bem-aventuranças é um sacerdote católico, John Dear, já nominado certa feita para o prêmio Nobel da Paz.
Lembremos que Jesus foi anunciado pelos anjos cantando “paz na terra” e que se apresentou depois da ressurreição dizendo “paz seja convosco”. Se recordarmos que na Bíblia a palavra paz” aparece 9.480 vezes na Bíblia, sendo 7.965 vezes no Antigo Testamento e 1.515 vezes no Novo Testamento. Diante disto, a insistência do tema no meio anabatista mostra uma faceta extremamente bíblica do movimento.

Marcos Inhauser

terça-feira, 3 de maio de 2011

CIDADES DE PAZ

Estou aqui na República Dominicana para a Conferência de Igrejas Históricas da Paz, que reúne as três famílias denominacionais de igreja que historicamente tem trabalhado pela paz: a Irmandade, os Quáqueros e os Menonitas. Gente vinda de 19 países se reuniu aqui naquilo que foi o berço da mal denominada colonização da América, quando em 1492, os espanhóis aqui chegaram e daqui se esparramaram pelo Continente, levando a cruz e a evangelização, e com ela a violência e a exploração. Nesta terra das Américas muito se fez que atentou contra a paz, nos níveis individuais, familiares, sociais, religiosos. Ouro foi levado aos montes para a Europa e populações inteiras de indígenas foram dizimadas, como o que ocorreu em Cuba e República Dominicana, e outros poucos sobraram em outros países. Nesta América se teve a primeira nação livre e negra, o Haiti, formada por escravos que haviam sido trazidos para as plantações de cana. Chama atenção o fato de, no que pese o fato de ser a mais antiga nação livre da América e quase totalmente negra, é até o hoje a mais pobre desta América. Não posso deixar de mencionar que sempre achei que esta situação se deve à discriminação racial que se fez e faz em relação a esta nação. Uma coisa me chamou a atenção: o nível de violência nas cidades latino americanas, os mais altos do mundo. Em parte isto de deve ao tráfico, em parte à corrupção, em parte a uma cultura de violência em que fomos criados e que se perpetua nos meios de comunicação. Mas não poderia deixar de mencionar e ressaltar que também isto se deve à omissão das igrejas que tem pregado um evangelho alienante e alienado, insistindo na salvação das almas e na prosperidade mágica, mas deixando de lado o cerne de que o evangelho é boa nova de paz. João Driver, teólogo latino americano que tem se notabilizado por sua contribuição sobre a teologia da paz, afirmou aqui nesta Conferência: “se o que pregamos não é o evangelho da paz, não pregamos evangelho algum”. E esta paz não é só a paz com Deus, mas a paz que se estende ao próximo e estabelece novas relações, elimina barreiras, quebra inimizades, perdoa ofensas e dívidas. Queremos que nossas cidades tenham paz e para tê-la precisamos pregar a paz que o evangelho traz, perdoar e restabelecer relações. Não é uma questão de prosperidade: é uma questão de acabar com a inimizade.